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Apreensão de cabelo humano cresce 1.500% e chega a R$ 5 milhões em MS

on qua, 24/01/2024 - 19:09
quarta-feira, 24 Janeiro, 2024 - 19:00

Imagine um produto fácil de transportar, que ocupa pouco volume e possui alto valor de mercado. É este o cabelo humano, usado para fazer apliques e perucas, cujo transporte ilegal cresce, exponencialmente, a cada ano. De acordo com a Receita Federal, este descaminho em Mato Grosso do Sul aumentou cerca de 1.500%, em dois anos. Em 2023, por exemplo, a carga apreendida foi avaliada em R$ 5.655.656,23.

Interceptado e apreendido após força-tarefa entre a Receita e a PRF (Polícia Rodoviária Federal), as mechas de cabelo chegam ao Brasil pela região de fronteira. Neste caso, a tipificação penal é a de descaminho e não tráfico, já que os cabelos humanos são importados e comercializados de forma clandestina, com a intenção de não pagar os devidos impostos e infringir as regulamentações aduaneiras.

“Temos, em primeiro lugar, o combate ao tráfico de drogas, cigarro, eletrônicos e roupas. O volume de cabelos não é muito significativo em relação aos produtos apreendidos, porém, o que chama a atenção é o crescimento que esta atividade ilícita está tendo”, afirmou ao Jornal Midiamax o delegado da Receita Federal, Zumilson Silva.

Valores de cabelo - Imagem: Madu Livramento, Midiamax

Altamente procurado pela aplicação em diversos setores, como indústria cosmética, moda e extensões capilares, a demanda por cabelo de alta qualidade e natural vai direto para uso em perucas, apliques e alongamento. Nesta prática ilegal, de descaminho, o infrator evita encargos fiscais significativos e supre a demanda “crescente e lucrativa”, porém, quando flagrado, pode sofrer ações criminais graves.

Aumento exponencial de 2021 a 2023

Conforme a Receita Federal, no ano de 2021, as estatísticas apontam a apreensão de R$ 146.231,24 em Campo Grande, sendo 123 mechas unitárias de cabelo e mais 54,5 kg de cabelo bruto. No município de Corumbá, no mesmo período, a apreensão foi de 39 kg, avaliados em R$ 31.885,62. Em Mundo Novo e Ponta Porã, ainda em 2021, a apreensão foi de 289 unidades de mechas e mais 48 kg, com valores avaliados em R$ 123.705,01 e R$ 356.126,91.

O ano de 2022, ainda de acordo com a Receita, teve a apreensão de 78 kg de cabelo bruto em Campo Grande, avaliados em R$ 61.424,26. Em Corumbá, a apreensão foi de 72 kg, avaliados em R$ 59.396,00. Já em Mundo Novo e Corumbá, foram, respectivamente, 31,9 kg e 19 kg, avaliados em R$ 25.016,62 e R$ 16.104,62.

Já em 2023 as apreensões na capital sul-mato-grossense foram muito maiores do que nos períodos anteriores, totalizando 205,7 kg de cabelo recolhidos pelas autoridades e avaliados em R$ 3.836.123,43. No mesmo ano, houve uma apreensão em Corumbá, de 608,4 kg, sendo avaliada em R$ 604.326,67. Ponta Porã também culminou na apreensão de 638 kg de cabelo, avaliados em R$ 1.215.206,13 e representando um aumento de 1.500% em relação aos períodos anteriores, de acordo com Zumilson.

Veja a entrevista exclusiva com o delegado sobre o descaminho de cabelo humano:

De MS para os grandes centros, aponta PRF

O cabelo proveniente de descaminho, apreendido em Mato Grosso do Sul, geralmente tem como destino os grandes centros consumidores nacionais, como Goiânia, São Paulo e Rio de Janeiro. No entanto, antes de saber mais sobre o destino final, a PRF ressalta que “avalia o perfil dos envolvidos”.

Além disso, o trabalho envolve a interceptação de cargas suspeitas e identifica crimes relacionados ao descaminho de cabelo. Já a parte investigativa e o desmantelamento de esquemas criminosos associados a este tipo de crime, incluindo a identificação de redes de descaminho e seus facilitadores, ficam sob a responsabilidade da polícia judiciária.

Apreensão mais recente ocorreu neste mês de janeiro

Cabelo humano apreendido neste mês de janeiro em Brasilândia-MS - Imagem: PRF/Divulgação

Em 2024, mais um caso acendeu um alerta para o crescimento deste tipo de crime. No último dia 16 de janeiro, a PRF flagrou 62 kg de cabelo humano na BR-158, perto de Brasilândia (MS). A carga estava em dois veículos, sendo uma Chevrolet Montana e uma Van Renault Revescap, ambos com placa de Avaré (SP).

Os produtos, que vieram do Paraguai, tinham o interior de São Paulo como destino. Na ocasião, um dos condutores foi preso e encaminhado para a PF (Polícia Federal), em Três Lagoas, na região leste do Estado.

Após a captura, para onde vão os cabelos?

Conforme especialistas, o material apreendido, em casos de descaminho de cabelo, a depender da quantidade e conforme determinação da autoridade policial, é encaminhado à PF ou à Receita Federal. Na Receita Federal é submetido a processos de pesagem e categorização.

Essas ações são parte dos procedimentos alfandegários para avaliar a natureza e o valor das mercadorias apreendidas. Assim, a Receita Federal desempenha um papel crucial na determinação das implicações fiscais e legais associadas ao descaminho.

Mega hair tem preços variados e pode chegar a R$ 1 mil por 100g

Cliente colocando mega hair - Imagem: Anne Souza/Arquivo Pessoal

O cabelo humano é amplamente utilizado na fabricação de perucas, extensões capilares e mega hair. Os custos específicos de um mega hair variam, dependendo do tipo de cabelo utilizado, do método de aplicação e da localização geográfica, variando entre R$ 200 até R$ 1 mil ou mais por 100g de cabelo.

De acordo com a PRF, o custo do cabelo humano varia amplamente com base em diversos fatores, como qualidade, origem, comprimento e cor. Geralmente, o preço é expresso por grama, sendo que cabelos de alta qualidade costumam custar mais.

Assim, interessados no menor gasto, muitos compradores da indústria de perucas, extensões capilares e produtos cosméticos vão atrás destes produtos. Os consumidores finais, muitas vezes sem saber da origem do material, também podem inadvertidamente estar comprando cabelo proveniente de descaminho.

Cabelo pode ter agentes infecciosos, alerta infectologista

Cabelo saudável necessita de muitos cuidados, ainda mais se tiver apliques - Imagem: Freepik/Reprodução

A médica infectologista Priscilla Alexandrino ressalta que o cabelo pode ter agentes infecciosos e são necessários alguns cuidados. “Pode ter tanto microorganismos quanto o que a gente sabe, vulgarmente, que são como os parasitas. A gente fala piolhos, mas, pode conter fungos, tanto agentes microscópicos como os macroscópicos, que são os parasitas”, explicou.

Além disso, a médica ressalta o perigo das lêndeas que vão com o cabelo transportado. “Mesmo que não tenha o próprio piolho em si, pode ter os ovos, e isso pode gerar uma infestação na pessoa que receber esse cabelo, no caso dele não passar por um processo de desinfecção adequado, então, existe todo um processo de assepsia, de lavagem adequada”, explicou.

‘Cabelos latinos são os mais valiosos do mundo’, diz especialista

Atuante há 13 anos neste mercado, a cabeleireira e empresária Anne Souza, de 37 anos, diz que vai pessoalmente buscar os cabelos em São Paulo, onde confere as mechas e compra tudo legalizado, com nota fiscal. Segundo ela, quem é do ramo, sabe que os “cabelos latinos são os mais valiosos e desejados do mundo”, sendo que passam por Mato Grosso do Sul para irem para outros estados e países.

“O nosso estado é atravessador. Assim como passa droga também tem o contrabando de cabelos. E os cabelos latinos: peruanos, bolivianos, argentinos e uruguaios, por exemplo, vão até o Paraguai e, se passam por aqui, chegam até São Paulo e lá são despachados de avião ou navio para outros destinos”, explicou.

No país, o que ela compra e comercializa, em sua maioria, são os cabelos indianos e coreanos. “Existe uma limitação de compra, no caso de quem compra com nota certinho e também no caso de quem importa. Nós pegamos, no centro distribuidor, essa matéria-prima bruta. No meu caso compro em São Paulo e também em Goiânia, só que, neste segundo caso, enviam pelos Correios”, ressaltou Souza.

Com dois salões de beleza em Campo Grande, na Vila Sobrinho e no Aero Rancho, a profissional ressalta que a procura é tão grande que o seu trabalho já chamou a atenção em outras cidades brasileiras. “Eu ministro cursos, estou atendendo em São Paulo também e agora no Rio de Janeiro. Existe todo um tratamento e cuidado com o cabelo in natura, que as pessoas precisam ter antes de colocar na cabeça de alguém e assim evita possíveis contaminações”, argumentou Anne.

Mesmo assim, ainda conforme Anne, o alto custo – cerca de R$ 2 mil no mínimo – faz com que muitas mulheres não tenham condições de colocar o cabelo humano. Além disto, a profissional explica que não é só para fins estéticos, mas, também em casos de recuperação de alguma doença ou algum caso de corte químico, por exemplo.

“Nós temos também a opção da fibra evolution, que é mais acessível, já que o valor do cabelo humano está exorbitante, subiu muito nos últimos tempos. Eles falam que tem a ver com o dólar, porém, acredito que a fonte de cabelo não mudou, não é algo escasso. Sempre tem pessoas querendo cortar. E tendo mais esta opção é uma alternativa, que deixa a mulher com a autoestima em dia”, ressaltou.

Patrícia e Adriana são adeptas do mega hair há 2 anos

Artistas alongaram os fios com cabelo humano há dois anos. (Arquivo Pessoal)

A cantora, compositora e instrumentista, Adriana Regina, que canta ao lado da irmã, disse que as duas aderiram ao mega hair e estão muito satisfeitas. “Nós pesquisamos muito antes de escolher o local, porque, antes de tudo, somos cidadãs e queremos fazer tudo certinho. E então conhecemos o trabalho da Anne, que trabalha tanto com o cabelo humano como a fibra evolution. Ou seja, para quem não pode, ela tenta viabilizar o sonho de forma mais acessível. No meu caso, amei o resultado e não pretendo mudar”, finalizou.


Fonte: Midiamax