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Com Fundão inflado, PL e PT serão os partidos mais ricos nas eleições 2024

on ter, 19/12/2023 - 13:28
terça-feira, 19 Dezembro, 2023 - 13:15

Há uma articulação no Congresso Nacional para que o Fundo Especial de Financiamento de Campanha (Fefc), mais conhecido como Fundão Eleitoral, para as eleições municipais do próximo ano seja inflado, passando dos R$ 2 bilhões pagos em 2020 para R$ 4,9 bilhões a serem destinados em 2024. Esse salto de 145% no valor do Fundão entre uma eleição e outra terá como maiores beneficiados o PL, do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro, e o PT, do atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, donos das duas maiores bancadas na Câmara dos Deputados.

Imagem: divulgação

Caso a cifra seja aprovada pelo parlamento brasileiro, na avaliação de advogados eleitoralistas e cientistas políticos ouvidos pelo Correio do Estado, a distribuição desse Fundão turbinado refletirá de forma decisiva no resultado do pleito em Mato Grosso do Sul, mudando a lógica das últimas eleições municipais e, talvez, até desbancando siglas que tradicionalmente elegem mais prefeitos.

Como a regra da divisão dos recursos leva em conta o número de representantes eleitos em 2022, quando o PL fez 99 deputados federais e o PT 69, ou seja, ambas as siglas conquistaram mais cadeiras que outras legendas, caso o Congresso chancele o montante de R$ 4,9 bilhões, o primeiro partido teria a maior fatia, de R$ 880 milhões, valor 500% maior do que os R$ 146,5 milhões de quatro anos atrás, quando o PL elegeu 345 prefeitos.

Enquanto isso, a legenda petista terá R$ 616 milhões, montante 146% maior em relação aos R$ 250,7 milhões das eleições de 2020, quando elegeu apenas 182 prefeitos.

Em Mato Grosso do Sul, pelo menos em Campo Grande, onde tanto o PL quanto o PT não têm pré-candidatos teoricamente fortes à prefeitura – os deputados federais Marcos Pollon e Camila Jara, respectivamente –, com o Fundão turbinado essa história pode mudar.

Afinal, com recursos em caixa, ambas as legendas podem ameaçar os nomes apontados como favoritos, situação que pode se repetir em cidades do interior de MS, como Dourados, que, por enquanto, apenas o PT pretende disputar 

a majoritária. Porém, com recursos em caixa, o PL também pode mudar de ideia e lançar candidatura na cidade.

Outra possibilidade é que os dois partidos mais ricos para as eleições do próximo ano se tornem as “noivas” mais cobiçadas pelas outras legendas, já que terão recursos financeiros abundantes e tempo de rádio e televisão considerável.

ELEITORALISTAS

Para o advogado eleitoralista Alexandre Ávalo, que é membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), a partir de uma análise das eleições dos últimos anos é possível constatar que a mudança do governo federal interfere diretamente na composição das bancadas dos partidos, o que repercute nos estados e nos municípios e, por conseguinte, no próprio Fundo Eleitoral.

“Portanto, existe uma correlação inafastável entre o resultado das eleições e a construção do Fundo. Nesse contexto, a elevação do valor do Fundo Eleitoral beneficiará especialmente os partidos das duas principais forças políticas atuais do País, o PT de Lula e o PL de Bolsonaro. Pelo projeto, esses dois partidos aumentariam sobremaneira sua capacidade para o próximo pleito”, analisou.

A propósito, conforme ele, ao considerar o cenário das últimas eleições, é possível concluir que os recursos financeiros nem sempre resultam em dividendos eleitorais, motivo pelo qual alguns partidos tradicionais – a exemplo do MDB e do PSDB – vêm perdendo bancada e consequentemente passarão por um período de redução de sua participação na cota do Fundo Eleitoral.

“Nessa linha, as eleições de 2024 certamente serão impactadas em termos de representatividade partidária e financeira, pois a participação no Fundão pode ser a medida determinante para se avaliar a viabilidade de candidaturas próprias pelos respectivos partidos a que estão vinculados os aspirantes a disputar o pleito que se aproxima no próximo ano”, argumentou.

Em resumo, Ávalo pontuou que é possível notar que o Fundo Eleitoral é impactado pelos movimentos sociais, bem como pelo resultado das eleições, na medida em que sua distribuição é baseada na quantidade de candidatos eleitos.

“De igual modo, os partidos e os pré-candidatos também acabam por ser impactados na distribuição do Fundão. Referidos aspectos merecem atenção imediata dos partidos, para a construção adequada e viável das pré-candidaturas em todo Brasil”, afirmou.

Já o advogado eleitoralista Douglas Oliveira, conselheiro estadual da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso do Sul (OAB-MS), acrescentou que, tratando-se de um recurso para o financiamento público da campanha eleitoral, o Fundão tem de ser incluído no Orçamento da União do próximo ano.

“Só agora, no fim do ano, é que será publicada uma resolução que vai definir algumas diretrizes no que se refere à distribuição do Fundo, mas os critérios estão estabelecidos já em lei”, esclareceu.

A tendência, conforme Oliveira, é que esse Fundo Eleitoral inflado seja aprovado, porque os partidos que mais recebem esse recurso, segundo o coeficiente de distribuição, são aqueles que têm as maiores bancadas. Desse modo, é evidentemente inteligível a aprovação.

“É óbvio que os deputados federais vão aprovar um Fundo maior, pois os beneficiados serão justamente os seus partidos – no momento, o PL, que é o partido do ex-presidente Bolsonaro, e o PT, do presidente Lula. 

A maioria dos partidos também terá, em comparação com 2020, um Fundo superior, com exceção do PSDB, porque teve uma redução substancial no número de deputados federais”, ressaltou.

Oliveira disse que, pelo sistema que a legislação estabeleceu, há uma grande chance desse Fundo Eleitoral de R$ 4,9 bilhões ser aprovado. Primeiramente, porque terá uma justificativa de ser o mesmo valor que já foi aprovado no ano de 2022 como primeira perspectiva e, em segundo lugar, porque aqueles que aprovaram o Fundão serão justamente os deputados que compõem os partidos que serão beneficiados.

“Então, eu não acredito que haverá uma redução daquilo que está de ideia aí, de proposição. O Fundo Eleitoral será distribuído conforme as regras e as diretrizes partidárias, que são estabelecidas e aprovadas”, relatou.

CIENTISTAS

O cientista político Tércio Albuquerque salientou que não é um Fundão, “mas sim um saco sem fundo de tantos recursos públicos que vão para as mãos de partidos políticos”.

“Nós estamos falando de algo em torno de R$ 5 bilhões disponíveis para os partidos utilizarem nas eleições municipais. Agora, teremos o PL e o PT com a possibilidade de ‘abocanharem’ um recurso significativo diante da representação de ambos no Congresso Nacional”, declarou.

Porém, para ele, efetivamente não é só isso que traz o resultado positivo da eleição. “Como nós estamos falando das eleições municipais, o grande mote é ter prefeitos eleitos pelo seu partido. Para isso, buscar nomes que possam vencer o pleito ou indicar alguém da própria sigla para manter a hegemonia do partido no País. Por região, isso não é tão simples – e vai ter muito recurso mesmo”, ponderou.

Albuquerque opinou que o Brasil precisa mudar sua legislação eleitoral, porque, para o especialista, “é um absurdo liberar recursos públicos desse montante”, pois, com a tecnologia atual, é possível fazer campanhas políticas via mídia eletrônica sem esse custo excessivo.

“Não é tirando essa discussão, é que eu continuo batendo nessa tecla e continuo insistindo que o Brasil deveria mudar, sem dúvida nenhuma, essa distribuição de recursos”, analisou.

O cientista político acrescentou ainda que aqueles partidos que souberem lançar candidatos a prefeitos e a vereadores, principalmente os que tenham conhecimento ou os que sejam conhecidos na região, terão mais possibilidades de vitória.

“Obviamente que o recurso financeiro é um atrativo muito importante para buscar a aproximação daqueles partidos nanicos que vão ficar sem recurso. É muito importante que haja agora essa mudança partidária, para que eles tenham estrutura financeira para se manter no poder”, assegurou.

Albuquerque ressaltou que no Brasil a filiação partidária é por paixão. “A sigla partidária já foi há muito tempo alguma coisa significativa, mas hoje se pode trocar de partido a hora que bem entender, sem que isso cause grandes consequências. Não se tem mais aquela vinculação como originalmente tinha. Isso tudo decorre dessa questão dos recursos financeiros, da lei eleitoral que precisa ser mudada e do grande volume de partidos que temos no País, questão que também precisa ser alterada”, falou.

Para o cientista político Daniel Miranda, esse crescimento considerável do Fundo Eleitoral do PL é resultado da estratégia bem-sucedida do presidente nacional da sigla, Valdemar Costa Neto, com relação à filiação de Bolsonaro no partido.

“Valdemar é a típica liderança pragmática que consegue ler e se posicionar bem no cenário político. Esteve tão envolvido no primeiro governo Lula que foi um dos pivôs do mensalão”, recordou.

Agora, de acordo com Miranda, Costa Neto conseguiu acomodar Bolsonaro, transformando em uma potência eleitoral um partido que a uns 10 anos atrás lutava para sobreviver.

“Ele vai explorar a imagem e o capital político de Bolsonaro o quanto puder. Então, esse crescimento do recurso destinado ao PL, caso seja aprovado, sendo bem maior que o disponível para o PT é resultado da vitória da direita no Congresso Nacional, pois esse número de cadeiras no parlamento é o critério principal para a distribuição”, afirmou.

Miranda pontuou que o PT, em tese, por ter a máquina federal, tem recursos que a oposição não tem, contudo, como essa é majoritária no Congresso, “compensa” o Fundão turbinado.

“Óbvio que temos que tomar cuidado com tal distinção, pois o governo Lula é de frente ampla, com lideranças de direita no governo se beneficiando de tal posição, mas o Fundo Eleitoral é essa compensação que os partidos criaram para si próprios em troca da extinção da doação de pessoa jurídica para as campanhas eleitorais. Então, é difícil pôr um freio no crescimento de tal recurso”, finalizou.


Fonte: Correio do Estado