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Em viagem de 500 km por estrada extrema, 5 mulheres da Capital desbravam o Jalapão

on qui, 25/04/2019 - 13:51
quinta-feira, 25 Abril, 2019 - 13:45

Da esquerda pra direira: Caroline Cardoso Carvalho, Mikaele Teodoro, Janaina Amadeu, Mariana Sorato e Bruna Cerri (Foto: Arquivo pessoal)

Deixando marcas de pneu na estrada de terra que corta o Parque Estadual do Jalapão, no Tocantins, a caminhonete 4x4 fez em três dias cerca de 500 km. Na areia e lama, o velocímetro marcou entre 50 e 80 km/h em uma rota considerada extrema, distante e “impossível” de atravessar sem um guia.

Em roteiro que durou três dias, as amigas percorreram 500 km (Foto: Arquivo Pessoal)

A descrição é comum a quem está acostumado a esse tipo de viagem ou acompanha filmes e séries de aventura pela televisão, mas assim que o veículo para e os ocupantes desembarcam, a cena quase rotineira vira motivo para surpresa de quem observa. São cinco mulheres de Campo Grande, Caroline Cardoso Carvalho, Mikaele Teodoro, Janaina Amadeu, Mariana Sorato e Bruna Cerri, “sozinhas”, traçando o próprio caminho guiadas pelo amor à liberdade.

Indagações feitas de maneira quase inocente como “Cadê o homem do carro?”, ou “Quem está dirigindo é você?”, foram repetidas incontáveis vezes ao longo do caminho. Atrás do volante, Bruna diz que as reações de espanto não pararam por aí.

“Nas dunas ouvimos um comentário de que deve ser muito difícil viajar com um grupo de cinco mulheres, todas falando ao mesmo tempo. Ou, na tentativa de elogiar a nossa coragem, outro comentário comparou a nossa viagem com a de outro grupo, dizendo que havia uma pessoa nas dunas com um carro baixo, como se a nossa ida até ali fosse inconsequente. Demoramos para entender a comparação, só nos olhamos, ainda é difícil, temos, que nos encorajar e encarar, escutar esse tipo de coisa, mas acabamos não discutimos porque éramos turistas ali e porque entendemos que em um local tão pequeno, existe naturalidade em uma fala tão absurda”, relata.

Os planos começaram há 9 meses, mas só saíram do papel no dia de 17 de abril, feriado de Páscoa. Bruna conta que no grupo “original” havia homens, mas na hora de acertar os detalhes, os amigos preferiram fechar um roteiro diferente e seguir por conta própria. Foi então que a vontade de conhecer o Jalapão cresceu e o desafio fez das amigas, protagonistas da própria aventura.

Mikaele “embarcou” na ideia a convite de Bruna, a jornalista já tinha a ideia do que era o Jalapão. Um destino extremo e com pouca estrutura, mas o amor pelo desconhecido falou mais alto, para ela foi o que reuniu as cinco.

Por do sol nas Dunas do Jalapão, cenário conhecido pelos montes de areia de até 40 metros. (Foto: Arquivo Pessoal)

Já Mariana foi “um pouco resistente” a ideia de ir ao Jalapão sem uma agência, ela conta ter encontrado muitos comentários e relatos na internet sobre a dificuldade do percurso, mas confessa “adorar um desafio e um roteiro barato”, combinação perfeita para topar a viagem. “Acho que o mais importante pra encarar é ir consciente dos riscos, eu li relatos de pessoas que ficaram presas dois dias por lá até chegar o resgate, então nos cercamos de cautela, levamos bastante água, comida e o mais importante flexibilidade emocional pra caso algum imprevisto acontecesse”, explica, deixando claro que junto com o espírito aventureiro, elas também levaram muita responsabilidade na bagagem.

Gastando cerca de R$ 700 somados ao valor das passagens, que foram compradas em momentos diferentes, mas variam de R$ 800 quando compradas com antecedência e até R$ 1,7mil na alta temporada, ida e volta, saindo de Campo Grande. Todos os detalhes foram fechados pela internet, passagens, aluguel do carro, hospedagem.

Com até 70 metros de profundidade, a pressão da água nos fervedouros é tão forte que fica impossível afundar (Foto: Arquivo Pessoal)

O que Caroline encara como a primeira barreira quebrada por elas, já que durante toda a preparação o que mais ouviram foi o discurso de que “essa viagem é muito perigosa para cinco garotas fazerem sozinhas”, mas para ela a empolgação de viajar com outras quatro mulheres, ao contrário do que muita gente diz sobre a competitividade feminina, fez do planejamento mais leve e inspirador. “Os dias ao lado das meninas também foram muito marcantes, todo o contexto da viagem, os desafios, superações. Cada momento nos mostrou ainda mais que nós, mulheres, somos amigas, companheiras, prestativas e fiéis”, afirma.

Janaina vê a experiência como a combinação de coragem e união. Apesar das adversidades, ela relata que enfrentar uma estrada com muita lama e buracos na chuva, armar e desarmar a barraca em cada parada, ensacar as malas para não molhar, obersar os mapas e as placas no caminho fizeram com que o trabalho em equipe fosse essencial. “O que nos surpreendeu foram os olhares e comentários de surpresa dos homens ao perceber que éramos um grupo apenas de mulheres, mas não nos deixamos ser intimidadas, seguimos nosso caminho com muita alegria e empoderamento”, conta.

Apesar da beleza do local, o que mais marcou a viagem foi a surpresa de outros grupos ao se depararem com 5 mulheres "sozinhas" na estrada (Foto: Arquivo Pessoal)

O roteiro que teve início em Palmas foi traçado “do fim para o começo”, ao todo, elas passaram por três cidades: Começando por São Félix do Tocantins, passaram também por Bela Vista e Ponte alta do Tocantins, seguindo o fluxo contrário de pessoas. Visitaram dois fervedouros, “poços” onde o rio subterrâneo emerge, de tão profundos podem chegar a 70 metros com uma pressão tão grande que torna impossível afundar. Por lá, dormiram em um camping e no dia seguinte seguiram para Mateiros. Há cerca de 30 km da segunda parada, o destino foi as Dunas do Jalapão, região conhecida pelos montes de areia que chegam a 40 metros, de lá encontraram mais fervedouros e cachoeiras, antes de retornar à Palmas. A decisão de não levar um guia foi pela autonomia de seguir o próprio caminho.

Se por um lado as amigas não esperavam causar tanto espanto, por outro a troca de experiência com outras mulheres foi gratificante. “Muitas pessoas, principalmente mulheres, nos encontravam no caminho e paravam para conversar, até nós parabenizaram pela nossa coragem e diziam querer amigas para fazer o mesmo. Eu quero viajar ao ponto de que ninguém vai se espantar, nem me perguntar quem é o homem dirigindo. A nossa luta é diária, cabe a nós todos os dias uma desconstrução social, com muita cautela, com muito zelo, ainda somos frágeis, mas sem que isso nos dê medo. Cabe uma cautela, mas jamais intimidação pelo fato de sermos mulheres. É uma experiência que precisa ser mais comum”, diz Bruna.

Em uma despedida da aventura e um até breve às amigas, Mikaele traduz em um paragrafo o que ficou de uma viagem que foi desafio, mas também descoberta, perda e construção: "Foi uma mulher de vinte e poucos anos que me ensinou que se pode ser um ás do volante em estradas extremas e dedicar todo seu amor e orgulho à liberdade de ir e de vir quando se quer. Foi uma mulher de vinte e poucos anos que me ensinou que pode-se rodar o mundo e manter o mesmo dom de se encantar, de se empolgar, em todas as esquinas. Foi uma mulher de vinte e poucos anos que me ensinou que a paz e a tranquilidade existem, sim, em meio ao caos. E é tão bonita! Foi uma mulher de vinte e poucos anos que me ensinou que a força, a vontade e a determinação não moram nos anos vividos, é coisa que vem de dentro, de quem se sabe a única representante dos seus sonhos nesse mundo. Fomos cinco por cinco dias, mas somos milhares e podemos ser o que quisermos. É arrebatador traçar o próprio roteiro!".

Os desafios do roteiro viraram lição de empoderamento, amizade e descoberta (Foto; Arquivo Pessoal)


Fonte: Campo Grande News